João e Maria
A bruxa veio do nada, voando no cabo de vassoura e ceifou a vida de João.
A história poderia terminar aí, mal começada porque João era ainda uma criança, mas sua mãe não deixou. Um menino tão bonzinho e amado, se finar assim de repente. Sofrendo horrivelmente com a morte do filho, desesperada apesar dos confortos amigos, não se conformava: queria que ele continuasse. Pelo menos um pouco dele.
A mãe deu os olhos de João. Fez a doação para um banco de olhos, isso que a gente vê só de longe e nos outros. Foi previsível que os parentes estranhassem, mais que isso, não entendessem, indignados quase, uma desnaturada. E contudo era simples ir refazendo o seu caminho, até encontrar o coração do motivo. O mais bonito de João viveria.
E Maria, que há dois anos esperava, teve afinal esperança.
E a operação de Maria, um transplante de córnea, se fez possível, com sucesso feliz.
E João e Maria de olhos dados seguiram, juntos, e saíram do escuro.

(In: RAMOS, Ricardo. Os Amantes Iluminados. Rio de Janeiro: Rocco, 1988, p. 24)